O meu amigo Álvaro
Não tenho dele
Mais que a frase
E tudo o que vai da frase até ao infinito imediato
- Dedos e respirações -
Era como a alegria
De se dar simples como nos encontrarmos
E era
O olhar que a infância
Pousou num galho
Como o que se põe a sonhar todos os dias
Nada maquinal mas vital
Por acontecer e deve iniciar-se
Coisa que se abre e não começa cansada
Mesmo no limite
O meu amigo
Deu-me o Uruguai e a guacamole
Fizemo-la juntos na misturadora
Não sei se feminina ou masculina ou híbrida
Abacate e coentros cebola e um pingo de vinagre em bom azeite
E alho
O meu amigo trouxe-me
As pastagens que tinha à mão da memória ao não lugar que me habita Para que paisagens de outra escala e lugares tomem lugar
E que é dentro
Onde os pardais cantam sem crer em que fronteira
Assobiam
De um lado ou outro
Do arame do betão do silêncio vigiado
Do sem limite
Que as entranhas têm de planeta
Vocês não o conhecem
Uma alegria do tamanho de não sei que diga
Do mar talvez
Quando ressuscita
Nas nossas cabeças urbanas
Não conheço optimismo tão futurista
Como este que pudemos fabricar dias e em tempos vários
Entre nós e a vida - a vida
Pão que se fez de palavras e silêncio alvoroçado
- estavas doente -
De ossos e pausas que os ossos estão ali para nos chamar esqueleto
E o puro milagre de estar ainda de pé
Se houve quem como uma água rápida
Falasse voando
Era o meu amigo
E cristalina de afectos e aberturas
De risos que não acabam de fogo-de-artifício
Sobre o pouco ou o imenso
O cosmos ou a formiga
Um riso de poema contínuo residente
Sangue que nas veias nos corre então alegre
Contagiado
Tomei-o droga que dura
Porque há em nós
Um princípio de logística orgânica
Que nos leva a viver o instante melhor que o que passou
- sem vocação para a morte disse Eugénio de Dias Coelho
Pois era assim -
Vocês não conhecem o meu amigo
E não pensem que sou dado a leixa-prens
Ou a coisas de bem cavalgar
Que sela seja protocolar
Antes dado a amizades sem rimas e cantochão
Desafinado como o outro
Mas com razão
De emoção autêntica
O Álvaro na encruzilhada dos milagres e visões
Era Beckett e Mujica
Violino e uma espécie de download de si mesmo
Acidente vital
Por digitais que fossem seus prumos ocidentais
Era pura desordem ordenada
A esquerda e a vanguarda já toda fora do sítio
Sem onde nem quem com alguns outros
Na Emenda
E onde por perto Pessoa
É de ferro fundido
Fodido
Que serve mijar fora do penico
Se o penico não vende
E mijar fora
É consequentemente performativo
Um activo
E se argumenta inovação criatividades publicidades
Para que as sustentabilidades
Habitem cada vez mais a engrossada poluída narrativa
Que a vida ocupou
Como o tanque a livre circulação
Das ideias que o sejam
Só a erva daninha nos contém
Pois isto não é possível
Conciliar
Com o propósito mui são
De fazer algo não visto e verbal felino
Artesanal electro-acústico
Sonoro e visual
Coração fora de borda
Sem trela e partitura
Voz artaudiana
Berrado nonsense ou nada articulado
Em sucessivos pleonasmos estruturantes e onomatopaicos
- não disse inscrito mas escrito - são tatuagens sistémicas -
O camarada era amigo
E nada nos ligava de umbigo
Como de foice ou de martelo cruzados
Se garantisse pela simbólica o que só os dias podem provar
- o outro dizia “mostra as pinturas, não o cartão” -
Mesmo que foice e martelo fosse a nossa lida
Teclado de mísseis e debulhadora crítica
Centrais
Actualizados anacronicamente
Corações territoriais Ilhas e terras livres de jugos
A Cuba queríamos ir replantar Numância
Que se perde em turismos finitos
Agora ânsia é o capitalismo liberalizado aos poucochinhos
O sabão macaco que venha
O shave o dia after fresco a marca e o saque competitivo
Cada um filho de suas sombras e luzes
Sem donos nem mordomos
O que posso dizer
Mano
É que te conheço
Como ideia mapa que eu tinha dessa Latina América
De Allende e do teu pai
Camarada
Hasta siempre
Comandante Zúñiga
fernando mora ramos
fernando mora ramos
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