terça-feira, 12 de agosto de 2014

Não é a economia estúpido

Num país que constrói edifícios notáveis que são equipamentos culturais de última geração como o CCB – Centro Cultural de Belém, repito, Centro, Cultural e em Belém (uma certa Lisboa junto ao Tejo), uma certa  memória da arquitectura militar a sinalizar o império - e a Casa da Música, magnífica forma hexagonal aterrada num coração moderno do Porto e permanentemente pronta para voar com o seu interior, em que existem edifícios recentíssimos também apetrechados com as últimas tecnologias da cena em Vila Real, Guimarães, Braga, na Guarda, em Ílhavo, nas Caldas, em Faro e em inúmeras outras cidades, construídos com as avalanchas de euros dos fundos comunitários, em que já existiam teatros como o Garcia de Resende, o São Carlos, o Dona Maria, o Teatro da Trindade, o Sá de Miranda, o Bernardim Ribeiro, o Teatro Viriato, etc., e outros de outras tipologias como o TAGV ou o Teatro Virgínia, o Pax Júlia, e muitos outros ainda do mesmo tipo de escola arquitectónica dos cineteatros, não existe uma verdadeira política cultural que os torne, extraordinários equipamentos também – não falemos dos inúmeros teatros desaparecidos, como o Teatro do Ginásio, mas falemos, por exemplo, do reaparecimento do Teatro das Laranjeiras (mais um sem programa, adaptado a fins inadequados) -, instrumentos de uma identidade cultural contemporânea artística verdadeiramente europeia e portuguesa, esteticamente plural, aberta aos mundos e por assim dizer lugar de um exercício constante dessas práticas que podem constituir, substanciando-o, um quotidiano em que essa identidade plural se teça e reteça criticamente.  
Uma política cultural é uma política de abertura à consciência do gosto, uma política do desenvolvimento de uma cultura das possibilidades do gosto assente numa dimensão sensível e cognitiva. Na realidade uma política cultural estará para o gosto como os fertilizantes naturais, a qualidade da terra e ará-la, estarão para o que vai florescer e criar-se, para o que se prevê e para o que se experimenta, do conhecido ao enxertado, da monocasta rigorosa ao lote tentado, para falar metaforicamente de um exemplo de êxito no nosso país. Não ignoro, no entanto, que no caso das práticas artísticas, esse amadurecimento que na natureza tem as suas invisibilidades, necessita de cuidar das suas etapas de uma forma particularmente protegida das contaminações do ruído  de um dia a dia espectacularizado-mecânico, de rotinas esmagadoras puramente operacionais ou mesmo absurdas – um caos acéfalo é próprio do trânsito nas metrópoles ou das horas de ponta do turismo de massas num mesmo espaço de atracção - para se efectivar num plano artístico. 
Já não há natureza natural e aquela que é cultural, num sentido fértil, não é propriamente uma ilha que se possa frequentar isoladamente, como uma espécie de concentração convergente dos factores ideais de criação enquanto meio ambiente, habitat cultural de estimulo e propulsão do que é vital contra o que são as rotinas e formas de consumo impostas mais que propriamente desejadas enquanto horizonte de invenção – os objectos do lúdico como primeiro alfabeto de interacções com o exterior atravessam-se no caminho de todos desde a nascença sob a forma de mercadorias e têm o seu poder de sedução organizado como marketing. Isso verifica-se na indústria dos brinquedos, que organiza reproduções em miniatura dos objectos da vida adulta mimetizando-a e torna o prazer que uma criança encontra em brincar com uma tampa ou com um bocado de papel amalgamado um estranho fenómeno. A criança nasce hoje para ser  imediatamente “agarrada” pelas formas que o mercado duplica do real penetrando todos os nichos vitais, para ser alguém que inicia uma biografia de consumidor, melhor, uma não história. Aquele que constrói qualquer coisa que não lhe preexiste e que pela invenção formal e substantiva preenche um entendimento do mundo, tem nesse marco o sinal de um percurso, o outro apenas sabe que, com a pilha metida, a luz se acende e a coisa apita, seja como automóvel, como comboio, o que for. Neste aspecto a sofisticada falta de imaginação do mercado consegue produzir objectos tão hiper-reais que há bonecos imitando humanos que falam e são feitos de um silicone que se confunde coma carne humana. Aqui o culto da des-imaginação, a sua negação, atinge um cume. Quem faz na vida um percurso de do fazer, o que seja, “experimentando” o que for de um todo de “tudo já feito”, nada aprende e nada inventa, conforma-se para a formatação desde cedo, desenvolve um sistema de reacções mais próximo da criatura de Pavlov que de um sujeito criativo. Não foi acaso a relação de sedução dos cubistas pelas formas artísticas “primitivas” da arte africana, o que se vê bem nas criações de Picasso. Essas formas, por muito figurativas que sejam, têm uma liberdade formal que o mimetismo desconhece e mergulham numa memória antropológica que nelas faz transbordar o fundo mítico para quem nelas tenta ler sinais do mundo. O mesmo acontece com as gravuras primitivas, com as figurações animais verdadeiramente voadoras e organizadas para ângulos inesperados, com formas que desenhavam em si mesmas admiração ou medo e simultaneamente tentativas de celebração ritual que antecipassem uma ocorrência real por vir.     
Entre a abertura ao mundo, para que ele seja conhecível e apreendido, também criação, pura inexistência a encontrar processualmente, por saltos de maturação e autoconsciência do que na forma toma forma, a sua estrutura, invenção e a resistência às formas que o traduzam mercantilizado, num assédio constante ao incauto consumidor, obviamente ideológico, há que encontrar as metodologias, e os espaço vitais, que permitam o acesso a estádios criativos de fazer e de fruir – são princípio constitucionais. Aliás, quem faz frui e quem frui pode vir a fazer, essa é a verdadeira dinâmica entre criação e recepção, pois nenhuma destas actividades existe para si mesma, só existindo na sua interacção com a outra. Muitos autores falam de como escrevem o que leem numa espécie de plágio criativo, palimpsesto, apropriação íntima de algo que sendo de outro é de todos no espaço público, objecto de apropriação – a apropriação pode ser, aquela que faça um uso da mercadoria deslocado e inadequado ao para que é o objecto, uma apropriação criativa. Muitas vezes pode ser na recepção que o gesto criativo emirja. Neste caso numa acepção abrangente do que seja ler, já que ler a realidade mais que pertencer-lhe como o peixe à água, também é uma arte, além de que as escritas são fenómenos, isto é, acontecimentos, movimento. Lê-la, à realidade, transfigurá-la e não apenas desmontá-la, a que nos surge mais visível e legível – como sabemos, o real não se dá a ler em estado puro e as suas mediações são já, em si, leituras com pensamento orientado. Ler o real é obviamente um enorme esforço de abstracção, já que é necessário imaginá-lo nesse plano, a partir justamente do que que se apresenta como aquilo que é e é expressão do concreto. Trata-se de ler a partir de uma ordenação da desordem aparente, a partir do exercício da descoberta, de desvelamento, da sua estrutura encoberta e da multiplicidade infinita dos fenómenos. A arte tanto se foca nesse esforço de abstracção que nos remete para uma totalidade imaginada que se revela desencobrindo-a – como numa escavação arqueológica, em que ás camadas correspondem idades - como se apresenta como um dos seus desvios mais particularizados ou singulares, esforço de afirmação de um timbre num oceano sonoro em que impera o ruído.            
A ausência de uma política cultural é, por omissão da função democrática implícita no projecto cultural constitucionalizado, uma política do gosto entregue ao mercado e às suas formas e linguagens sempre publicitárias e para-publicitárias, às suas glosas pseudoartísticas para lá do ecrã, territórios do real dito real a contaminar com a teledependência, – como se sabe, a partir de uma porno-chachada televisiva, há uma multiplicação nos exteriores dos efeitos xamânicos televisivos, uma digressão de preços certos a cumprir com o acordo, cumplicidade contaminante e poluidora, de autarcas, “programadores” e lugares de programação que, deveriam ser serviço público artístico e não comércio tóxico do que é indigente enquanto forma e mente, na medida em que são dinheiros dos contribuintes europeus que visam a construção da “Europa” – já no antigamente as companhias teatrais faziam primeiro Lisboa e depois, de modo adaptado a um nivelamento para baixo das coisas do gosto e económico, faziam a província, tradição aliás que remonta ao século XVIII e que numa estrutura semelhante já acontecia quando a coisa se passava entre uma grande capital europeia e Lisboa. Ao São Carlos vinham os Goldonis adaptados ao gosto português, desprovidos de exigências que o público veneziano não dispensava.              . 
O CCB não é um investimento dos Dinheiros Europeus que vise actividades lucrativas, visará, isso sim, uma actividade não lucrativa, justamente cultural, obviamente sustentável economicamente, o que é outro problema, mas um problema essencialmente ligado aos destinatários por um lado e à criação artística estruturada regularmente, por outro – deste ponto de vista quem seriam os contribuintes que não desejariam saber que o seu dinheiro se converte em  fruição para as crianças via escola, em colecções de arte ou na existência de uma orquestra ampla? Pelo mesmo tipo de razões não faz sentido fazer uma discoteca, lucrativíssima, na Torre de Belém, nem um circuito de comboio fantasma entre os manuscritos da Torre do Tombo. 
Mas há aqui um segundo sentido que não nos deve escapar: se a Europa é constituída por matrizes comuns, a cultura grega e o cristianismo, e se a Europa é a assunção dos ideais democráticos da revolução francesa e se a Europa é também a rejeição do totalitarismo nazi e das duas guerras mundiais do século XX, será compreensível que aquilo que é o seu comum assente nessas premissas. Essa constituição da Europa, na base destes alicerces referenciais, só pode aperfeiçoar-se pelas mesmas vias culturais e valorativas, também económicas por consequência mas não por determinação prévia lucrativas – a economia é também uma arte do equilíbrio, um governo da casa é o seu sentido primeiro. A Europa dos bancos e das finanças é obviamente americana e anglo-saxónica. Já Marx chamava a atenção para as três fontes do marxismo: a política francesa, a economia inglesa e a filosofia alemã. A articulação destas três vertentes do saber é necessariamente cultural, a filosofia pode explicitá-lo. Mas uma relação equilibrada humanamente pensada, socialmente, não subalterniza a arte e a cultura a qualquer estratégia do que se diz economia. Não há objectivos económicos que não sejam instrumento. As consequências culturais de uma determinação do cultural por um primado absoluto do lucro, ou de rendibilidades inadequadas à natureza deste ou daquele objecto/processo artístico e cultural, são a barbárie, a redução forçada do que é artístico a uma lógica mercadificada, alterando-lhe a natureza e contaminando-lhe os processos de criação e divulgação pelos que no mercado as chamadas marcas praticam. É, de facto, possível desvirtuar um Shakespeare que se realize ao ponto de, usurpando-lhe o que no nome seja o que é de complexo e sublime, se converta Shakespeare numa marca, como Nestlé ou BES. Neste caso a celebridade do autor enquanto nome converte-o em algo que se pode nivelar num mesmo plano com outros produtos, sejam quais forem, sapatos ou preservativos – cada marca, ou cada produto, para existir, para se tornar visibilizado, necessita absolutamente de uma qualquer narrativa, seja a ideia que o chocolate NESTLÉ faz sonhar com paisagens em que orangotangos falam com uma luz negra, seja a de que uns dados sapatos nos fazem sentir tão confortáveis que nos emagrecem. A publicidade vende mentiras e é feita de todas as formas de sedução qua à libido comovem, um Shakespeare assim promovido pode reduzir-se de facto a uma ideia publicitária: “é Shakespeare é gobal, é vital, e faz bem a tudo o que faz mal”, ou coisa no género.          
Uma não política cultural é o contrário de uma política cultural, é a cedência total ao mercado do espaço público que um regime democrático baseado na legitimidade eleitoral deveria construir e dar a fruir como finalidade de regime – nem os mercados, nem o financismo, se confrontam com o voto popular, mesmo que os seus delegados o façam, não em seu nome, mas com máscaras ideológicas do tipo igualitário, o que é outra coisa. Não há força política que rejeite a igualdade e um dos tópicos comuns do discurso dos partidos é a postura, como dizem, antielitista, particularmente em matéria cultural, tida a cultura artística como um luxo desnecessário, desprezando um dos axiomas mais evidentes de qualquer processo de democratização: só pela via de uma política que se proponha não simétrica, que privilegie uns em detrimento de outros, que parta para a correcção das estruturação revolucionada das desigualdades, se podem introduzir formas de produção cidadã de novos equilíbrios de tendência igualitária, o que não é só a correcção de assimetrias mas, mais que isso, a criação de potências de identidade diversa em diálogo e confronto críticos, consoante as suas geografias e demografias, urbanismo e desenvolvimento de estruturas sociais que se equilibrem a partir de forças com a mesma potência, como poderá ser, por exemplo, a relação das periferias com o centro, das regiões interiores com o litoral, do país com Lisboa. Não faz sentido séculos depois que a frase “Lisboa é a capital e o resto é paisagem” tenha reganho o seu sentido original e Lisboa seja de novo a capital de um centralismo extremado. Uma das pechas da questão cultural é o seu tratamento não autónomo, de coisa em si. Uma política cultural tem de ser uma política das regiões, das autarquias e do Estado. Para isso era possível uma política de regionalização específica que poderia, aliás, abrir portas às outras. 
Uma política cultural democrática, a que dá a viver uma cultura democrática “elitista para todos”, nivelada por cima mas generalizável, só pode ser justamente isso, uma política de correcção das assimetrias e desigualdades estruturadas pelo mercado selvagem em que vivemos e pela política selvagem que o serve – a governação mais recente tem aliás os seus modelos na ideia de que o governo é um Conselho de Administração e o país uma empresa – não pode existir ideia mais tacanha e mentirosa, não só a memória identitária é destruída por um simples gesto em nome de um futuro paraíso económico só universo de consumo, um mundo/consumo, uma pátria/consumo, como a simplificação do que faz a realidade de um país é convertida num problema de gestão, confundindo governo com gestão, o que nada tem a ver, um tem horizontes históricos, outro, operacionais. 
Dir-se-ia que são dois tipos de vidas, a do mercado e a de um sector público de iniciativa democrática, que se estruturam contraditoriamente e que têm alguns canais de interpenetração, que mantêm entre si um saudável combate nos pontos de contaco, um ágon. Há, no mercado, mecanismos de expansão que são positivos e só os modos de criação públicos se libertam da necessidade de ir ao encontro do gosto vulgar – em que a subjectividade e o íntimo são ilusões publicitárias, formas da consciência vulgar falsas, igualitaristas para produzirem um mesmo que se reproduz até ao infinito, sonhos de “escravo” a ver-se ao espelho um outro que nunca é. O que é específico de um trajecto cultural craivo, também processualmente da divulgação do que se faz, fundamenta-se na perspectiva de encontrar formas de socialização específicas que não necessitem de aval nenhum de audiências (das audiências) outro cliché absoluto. 
Em boa verdade muitos são os exemplos de primeiras criações que esbarraram nos critérios do mercado, aliados a conservadorismos epocais, a começar por Joyce. Mesmo Beckett faz ironia sobre as vendas da sua primeira obra, meia dúzia de exemplares vendidos, um verdadeiro insucesso. Certamente que a obra beneficiou de outros circuitos de afirmação e de outros modos de reconhecimento impulsionadores. 
Só com a relevância de uma verdadeira inscrição orçamental, digna desse nome e com a possibilidade de operacionalizar uma política no âmbito de um Ministério, tal desígnio é possível. Neste preciso momento a vida cultural e criativa portuguesa está entregue às “programações” de objectos vulgares, porno-chachadas, espectáculos para-publicitários e para-artísticos, que resultam de uma verdadeira desqualificação e destruição do que culturalmente se vinha definindo – a possibilidade que Abril abriu - como de interesse cultural e artístico. Obviamente que as excepções existem e não fazem a regra, como serão os casos da Casa da Música e do Teatro Nacional de São João, estruturas resistentes que continuam a fazer um trabalho notável.
O espaço sensível de inscrição do gosto debate-se com a presença disseminada e massiva do mau gosto e do mimético reprodutível. O gosto, a disponibilidade de cada um para as questões do gosto, a nova sensibilidade que a subjectivação forma formando a nossa sensibilidade imediata, é o resultado da formatação feita pelos poderes mediáticos omnipresentes que, sem contraditório estruturado pela democracia, desde cedo e violentamente o mercado e suas expressões mediatizadas conforma – o conformismo estético, disfarçado hoje de todos os “vanguardismos” descartáveis, é o resultado de uma profunda e totalitária mercadificação e mercantilização das esferas do gosto e do espírito. Este destino que passa sempre pela mercadoria ignora que muitas formas artísticas não são mercadorias dado que a sua imperfeição é a sua própria matriz artística, como será o caso da interpretação de uma dada partitura de Mozart, sempre variavelmente imperfeita, como será o caso de uma criação absoluta e única, concebida para um momento único, ou que encontre condições únicas de exercício à margem de uma determinação de mercado – este impõe um standard e fala sempre da relação preço qualidade, coisa que um objecto artístico, em absoluto, desconhece. Não será o valor de mercado das Tentações de Santo Antão que constitui a qualidade artística e narrativa da obra, mesmo que tenha um dado valor de mercado – isso vale o que valem as acções da bolsa e é tomar a coisa pelo valor monetário e não pelo que é. Não se lê, lendo o que vale monetariamente, embora isso lhe confira um estatuto de bem capitalizável, de valor dinheiro, de equivalente monetário. Na arte, por exemplo, no teatro, é a singularidade de cada representação, na presença de espectadores sempre outros e de uma disponibilidade subjectiva-colectiva também outra da equipa de criação, que faz a experiência artística singular, ao ponto de que os espectadores, fruindo o mesmo objecto em noites diferentes, falem de objectos diferentes. Há mesmo um clique em certas noites, chamemos-lhe conjugação de factores imperceptível ou mesmo lua cheia, que tornam essa experiência possivelmente única – noutras noites a mecânica de cena vence, vencem os factores mais parecidos com a sua engrenagem repetitiva, com o que tenha de “indústria”, fábrica.  
O gosto formata-se antes de encontrar qualquer possibilidade de se alimentar alternativamente – o mercado não forma, formata um gosto imediato sob a forma de modas e narrativas publicitárias, imagens dominantes e recorrentes, ídolos e “mitologias fabricadas ao momento” e de atracção imediata – o objeco vive da imediatidade da força atractiva e da velocidade, quanto mais rápidas as formas do consumo mais objectos se consumem no tempo disponível e mais o tempo disponível é um tempo totalmente pleno de actos de consumo (em casa, diante da televisão e no que supostamente será um universo íntimo o consumo está constantemente a atacar via televisiva. 
O objectivo do mercado não é libertar a experiência sensível das suas próprias limitações intelectuais e sensíveis, não é o autoconhecimento sensível mas a dependência da marca, o controlo do desejo dos sujeitos, a indução no sujeito de um desejo inculcado e artificial, baseado no seu desconhecimento dos mundos do gosto e das suas linguagens – o que não tem a ver, no plano alternativo de uma política pública que lhe faça frente, com o culto idolátrico por um ou outro autor em particular, mas com um universo vasto, histórico e actual – sem obsessões actualistas - de múltiplas “fábricas sensíveis” criativas, interligadas e culturalmente diversas, que “conteudifiquem” e substanciem a democracia como democracia cultural também, tal como deve acontecer na saúde, na educação, na habitação, na alimentação, etc. 
Esse acesso de todos ao património de todos, clássicos porque contemporâneos e contemporâneos porque potencialmente clássicos ou porque experiência formais relevantes, por dentro das culturas europeias mas também os universos de outras culturas, sejam de matriz popular, sejam de étnica universalidade como as poéticas de vida da cultura índia, sejam forma híbridas e interculturais não comerciais, nem turísticas, nem para-publicitárias, corresponde necessariamente à estruturação de aprendizagens dessas linguagens a que podemos aceder como acedemos, por via primeira da língua materna à própria língua – no caso, também é a organização da sociedade que o concretiza, para além do meio familiar, determinante. Se a língua fosse apenas negócio ela não necessitaria da complexidade que a torna mundo de mundos e faz dela o veículo e ao mesmo tempo o território que abre as portas de todos os outros.  
Essas aprendizagens, não academizadas nem escolarizadas apenas, mas experimentadas desde cedo, são hoje possíveis pois o tempo histórico, o seu fundo globalizado vivo e activo, hoje permite, ao abrir a todos essa possibilidade – ela está aí - de uma nova dimensão existente do real que seja esse exercício de uma subjectivação que faz de cada espectador um autor potencial. Essa possibilidade só existe se for inscrita democraticamente. Para isso os Estados reconhecem como necessidade de conteúdo democrático dos regimes, mesmo não o praticando de modo perfeito, à cultura e à diversidade das formas culturais e artísticas, uma função que seja estruturada socialmente como potencialidade, das sensibilidades de cada um, das visões dos reais, dessa acção/fruição/conhecimentos/práticas sensíveis /pensamento /sentido, que constituem a substância simbólica possível e os conteúdos da própria liberdade qualificada e concreta.
O mercado corre atrás do analfabetismo, da iliteracia, da generalização do primarismo concursómano e do culto do vazio que resultam do imediatismo das suas estratégias de venda, vazio criado artificialmente para converter – fidelizar como dizem de modo para-religioso e indutor de uma dependência mundana - os consumidores disponíveis para que o mercado preencha o que artificialmente induz como desejo próprio do sujeito consumidor a ser preenchido com o seu tipo de ofertas – palavra tão reveladora quanto a fidelização, na medida em que uma linguagem, necessariamente complexa como uma qualquer língua, não se pode oferecer como complexidade, não é de consumo imediato e fruir é o contrário de consumir, exige um tempo não pagável, pura perda, time is not money – quem é que numa noite de amor põe a funcionar aquela máquina de medir a relação preço/qualidade da experiência sensível? A oferta e a multiplicação da oferta vive de uma lógica de concorrência que invocando a diversidade oferta o mesmo. Neste aspecto as programações idênticas, quase copiadas, em horários, publicidades e programas, das estações televisivas mostram bem como, em nome da diversidade, se oferece um mesmo que é cada vez mais o mesmo. Neste caso a concorrência mata o diverso. Este, na realidade, é diverso porque as condições da sua afirmação expressiva e a sua memória propulsora é outra. Só o outro não concorrente pode gerar o diverso e oferecer o que não é o mesmo. O espaço do diverso no mercado é etiquetado e funciona por gavetas. Nelas abundam os clichês. Já houve tempo, nos seus primórdios, em que o mercado, ainda não constituído como realidade totalitária e forma de poder omnipresente: será exemplo disso a obra dos Beatles, cuja sofisticação formal e abertura a outras culturas, mesmo que já num registo massivo, seria de todo impossível nas condições da industria e do consumo hoje.    
Há que, no entanto, referir algo decisivo: o desejo do consumidor não se forma apenas pela inculcação da marca como desejo, pelo fetichismo da mercadoria que a sacraliza e torna inalcançável e portanto desejada ( as sapatilhas para os adolescentes são mais que asas quando estão presos nessa teia como moscas ansiosas, como os automóveis um pouco depois), forma-se também nesse entendimento de que todas as relações são agidas por um princípio mercantilizado, determinadas pela troca e pelo valor do que é humano pesado em troca. Na peça de Koltès, Na solidão dos campos de algodão, não só a relação entre as duas personagens é nomeada como entre O Cliente e O Dealer, como a transacção humana a efectuar, que corresponde do lado do Cliente a um desejo profundo de satisfação de necessidades que radicam numa mistura de solidão angustiada e desejo de sair dela, de liberdade e dependência, são balanceadas em termos dialogados através de uma linguagem verdadeiramente traficada a que Koltès dá uma densidade profundamente humana e poética através de longas formas monologadas contrapostas.   
Com as suas modalidades de “cheio”, constituído pelo fluxo de imagens e preconceito constantemente produzidos/emitidos em múltiplos suportes de produção imagética interconectados por um mesmo deus publicitário omnipresente, sem pausa de recuo para quem os sofre, no lugar da possibilidade da aprendizagem do sensível e das práticas do pensamento, o mercado, as formas de mediatização das suas linguagens dominantes, ocupa a sociedade, coloniza-a constantemente como poder imperial que é – o mercado é a forma desse império na estruturação determinada pela economia, das sociedades. 
O pensamento vazio decorre justamente da condição descartável e apenas performativo-publicitária do falso artístico e do preconceito socioideológico – venda permanente de modelos de vida -, sempre a emergir do lado do mercado permanente obcecado com a inovação das aparências e sempre apoiado do lado dos poderes submetidos ao poder do financismo banqueiro que tudo penetrou com as políticas do crédito, fingidos modos de acesso ao que, na realidade, excluem: a verdadeira experiência cultural, a de um novo autoconhecimento de cada um, a possibilidade de numa sociedade estruturar modos de socialização não mercantilizados e verdadeiramente novo-comunitários, libertadores. Os créditos vendem esses modelos de vida referidos, vidas de uma a cinco estrelas, abaixo dos quais está agora a maioria da população e vendem-nos como prisões douradas, tornando as pessoas reféns de ideias que no fundo têm a forma da dívida como modelo de vida. 
As dimensões do que é cultural são identitárias, são linguagens criativas, inesperadas e emergindo, são linguagens e obras que não terminam de dizer o que dizem porque sempre lidas de formas diferentes em cada novo tempo, são o universo interminável e sempre em modificação da língua e das imagens escritas, mas são também esses outros parâmetros que as origens de cada um determina, as tradições populares, as da própria arquitectura popular, por exemplo, extraordinária e tão desprezada entre nós, mas também, e novo exemplo, os materiais textuais dos Bonecos de Santo Aleixo – que roça muitas vezes o melhor Vicente e são obra de um tempo a caminho de um século, corporizado pelos seus manipuladores-autores.
Uma política do mau gosto é portanto dominante porque o mercado é dominante – nada mais evidente do que as novelas como subprodutos/linguagens impostas desse mau gosto, na medida em que apreendem e vendem um real modelado por objectivos primários, alimentando um tipo de vida vulgar e psicologizando de modo intrigalhado a vida de uma classe média epígono de um vazio que multiplica traições, beijos plastificados, muita pintura entre olhos e bíceps, deixas fora de tempo, um universo doméstico integralmente idêntico ao do lado, pessoas feitas apenas de uma contradição principal e primeiros planos a estoirar de cor em cima da nossa condição indefesa – as tretas da interactividade cidadã à mão e descartável, zapingómana, são um conto para ingénuos na perspectiva interactiva: não há interactividade de um polo só e imposta como o jogo de um que manda. Todos sabemos que os diálogos socráticos são um extenso monólogo, para usar um exemplo pela distância. O interactivo salivar ou aplaudidor faz das criaturas animais tão inteligentes quanto os humanos e fundos de tela. Não é por acaso que há, cada vez mais, esta aproximação dos animais à inteligência humana através de todo o tipo de programas – e eles serão mesmo capazes do incrível, como um cão que dança com o dono ao ponto de não sabermos quem é o cão e quem é o dono – o que, na realidade, tenta provar que qualquer dia seremos como os golfinhos e estes como os lá de casa ao mesmo tempo que na palestina, as crianças, nem animais de estimação merecem ser.    
Nunca essa dimensão tóxica do real foi tão clara e totalitária em resultado de uma ausência da política cultural do Estado Democrático e que se traduziria no acesso à criação e fruição culturais, correcção pública das disfunções estruturantes do sistema da desigualdade do mercado como se disse. Esse acesso relaciona-se, insisto, com a criação contemporânea, com o que se experimenta e tenta como novo relativamente ao que o real vem impondo como “novo”, com o acesso aos clássicos, à nossa identidade profunda plasmada na variedade dos patrimónios culturais, ao que poderíamos caracterizar como artes da palavra, do som e da imagem, e à memória patrimonial em sentido estrito e também amplo, europeu e universal, sejam as escritas de uma pré-história anterior à identidade linguística, sejam os documentos da Torre do Tombo. O próprio português em todas as suas variantes é um horizonte, desde os materiais anteriores à formação da língua ao português sertanejo – os mundos do Português não têm fronteiras, são de escala planetária e memória vivificável.  
Uma política cultural é uma política do gosto, uma política do gosto tout court não tem sentido, só se afirma no contexto abrangente de uma política cultural – a experiência do artístico tem universos que lhe determinam um antes e um depois, na cronologia vital de cada um e na própria percepção sensível. Esse experiência tem os seus exteriores, para além dos tempos que lhe traçam, para cada um, contornos específicos – é como se a política cultural fosse o amor e tudo o que lembra e relança e a experiência artística a paixão, o momento explosivo interior. Mas uma política cultural são instituições do sector público, é o serviço público de associações criativas profissionais sem fins lucrativos, é o apoio às actividades amadoras das tradições locais como o Auto de Floripes ou os caretos, são essas fábricas do sensível que permanentemente exercitam os ofícios artísticos e não redes de oferta de produtos tóxicos, como os financeiros, com graus de toxicidade cada vez maiores, como pudemos constatar agora com o caso BES. 
Uma instituição construída com dinheiro dos contribuintes europeus não pode programar porno-chachadas promovidas a objecto artístico – ou ao dito entretenimento que abre as portas para todas as formas de desqualificação das emoções e da razão.   O que quer dizer que não podem ser bordéis, armazéns de revenda de coisas requentadas e estupidificantes, atentados à fantasia de que falava Pirandello. 
Para isto tudo necessitamos de um Ministério da Cultura.

fernando mora ramos

domingo, 3 de agosto de 2014

O sistémico que convém e a ética dos banqueiros

O capitalismo é um sistema que estabelece que o poder do dinheiro se sobrepõe ao poder que for, seja o do Estado autoritário puro e duro de que se serve ou que o expressa, seja a democracia em que grau estiver – o Estado puro e duro sempre se deu com a estrutura oligárquica e nunca tomou o seu fim e a implantação de outro sistema como objectivos. O modelo social deste sistema, cuja expressão política adequada é o ultraliberalismo, é o da destruição total de tudo o que seja aplicação de dinheiro em finalidades sociais, não rendíveis na lógica lucrativa privatizável maximizada. O dinheiro é negócio e existe para fazer dinheiro privado, mormente sob a forma de crédito, o que é hoje a sua forma mais rendível e rápida de lucrar – a velocidade cumpre um papel decisivo na vertigem da ganância (psicologia “espontânea” do credor na selva do real) associada aos fluxos de compra e venda de acções globalizados e do lucro associado às taxas usurárias (descem para voltar a subir) dos fundos creditícios. Não é por acaso que à volta desta forma de negócio se tenha erguido um sistema integral quase inexpugnável: teórico através de serventuários universitários que conferem uma aura de cientificidade aos seus mecanismos “positivos”, socialmente higienizadores deitando borda-fora os fracos, que os buracos e as bolhas especulativas sempre desmentem, mediático como propagador da ideologia única do lucro privado como princípio sagrado, servindo para isso um vasto coro de escribas e falantes nos palcos misturados da opinião e da propaganda, económico com o poder real dos bancos e das agências de rating, gangsterismo estatuído em lei internacional, governativo pelo lado de como os governos são os criados mais diligentes do financismo e seus propagadores relativizando o papel do Estado para mínimos interventivos reais – o Estado mínimo será um Estado apenas repressor, militarizado. 
Este sistema tem obviamente uma geografia e os seus exércitos e não abandona as outras formas de capitalismo que dependem dos recursos naturais planetários e da produção, nem aquele outro, chamado cultural e que criou um universo de entretenimento que converteu tudo em passatempo: as atrocidades constantes são info-entretenimento, preenchem tempo e consomem reservas de emoção cada vez mais mecanicamente reativa, desgastada na repetição insuportável, no domínio do que na tragédia antiga era profunda reflexão e terapia comunitária através do teatro – a “purga terapêutica”, limpeza espiritual, através da piedade e do terror, a educação para a compaixão pelo convívio à exposição do tabu rompido, através da palavra que nunca se faz – na tragédia - fuga desqualificada para o nada que é o que enche, na actualidade, os ecrãs de tudo e seja o que for.  
A mercantilização de todas as esferas do espírito, sangue que corre nas veias poluídas da sociedade e que ocupa os cérebros emergindo na actual escola – a que chamam educação e que querem adaptar ao que chamam economia - faz com que, pelo poder totémico que tem – que acrescenta ao seu poder real os outros, o poder dos fétiches e os que fazem sonhar com a vida dos ricos (seja o que isso for) – se subalternize o humano a uma sua própria criação, subjugando-o. Assim se complete um quadro a que se pode chamar sistema.
Mas a utilização desta palavra é extraordinária pois se aplica só nuns casos. O não reconhecimento do carácter sistémico deste capitalismo, o que seria reconhecer as suas “virtudes” destrutivas essenciais, genéticas, coincide com a defesa, pelos seus partidários, da capacidade da democracia lhe responder, essencialmente como actividade parlamentar para-governativa e também estruturante do que é a oposição. Ou melhor, de lhe resistir, que não pelo seu controlo já que o mercado deve ser absolutamente livre, isto é, desregulado – para o mercado a lei para à porta da rendibilidade do negócio e, seja como for, e no limite, compra-se. Evidentemente que entendem a democracia como um jogo, o jogo da palavra “liberdade”, aplicado a todos, mesmo a quem não tem meios de intervir realmente numa escala em que apenas os donos da média, os poderes do crédito e da publicidade, aliados do poder governativo, o podem fazer. O jogo da democracia dá para tudo e mesmo as divergências são formas de estruturação da aparência livre do sistema, sendo que verdadeiramente estéril, mudança bloqueada, é a prática grudada do antagonismo que se pratica como choque de supostos contrários e nada produz nesse confronto. Não será este mesmismo do que é antagonizado uma forma de bloqueio da própria possibilidade de se criarem espaços de compreensão real do que sucede, espaços fora de todo o tipo de controlo, cidadania? O que parece ser esclarecimento acaba, pelas vias do espectáculo de info-entretenimento, por ser ocultação. O que parece e se afirma transparência turva. 
Na realidade o carácter sistémico deste capitalismo tem como resultado a destruição da democracia – e do planeta, sabemo-lo - pois o sistema democrático, tal como é exercido pelos actuais poderes, não exerce sobre ele nenhum tipo de controlo nem regulação que justamente lhe controle a força sistémica, subalternizando-o e retirando-lhe um poder absolutizado, incapacitando-o de agir como uma totalidade de poder em todo o terreno. A sociedade do hipercontrolo massivo de consumo de massas e do financismo capitalista é isso, lucro livre nas transacções financeiras, desvalorização do trabalho e controlo das mentes através do controlo pela conversão de tudo em práticas de consumo ideologizadas, ritualizadas e miméticas – os consumidores são estrelas passivas do espectáculo do consumo, projectam de si a imagem que lhes vendem, os comportamentos são mimetizados em massa pelo efeito da sedução publicitária, ideologia específica do mercado – não há produto que na publicidade não tenha virtudes milagrosas e não liberte, não acrescente velocidade, não poupe tempo, não faça desaparecer arestas, dores, o que for. Nas paisagens do consumo o paraíso está na senha do cartão de crédito. Nunca a miséria mediana se sonhou tão idêntica, visibilizada, supostamente autodeterminada, com a arrogância dourada das elites – vejam-se as tais selfies. E não é história de self made man, é ilusão formatada como desejo. Quem não entende que uma autoestrada é uma via com portagens pagas, regras de uso e espaço absolutamente controlado, vídeo-vigiado, extensões de país privatizadas?
Engraçado é ver agora que o risco sistémico aparece associado à situação do BES, como se resultasse de uma patologia e o sistema fosse aquele que gera a tal confiança ou desconfiança nos bancos em função de comportamentos banqueiros – isto da confiança é para os bancos o que a fé é para a religião. O dinheiro está no lugar de Deus e vive de uma relação de culto (a publicidade do que é financeiro é omnipresente e multiplica-se a sofisticação das suas narrativas felicíssimas) e os banqueiros são os seus sacerdotes, magos dos meandros das finanças que sendo do todo acionista é deles. 
O problema é o capitalismo no seu todo e esta fase extremista a que chegou, com total desprezo pelo tipo de democracia que antes lhe convinha, no tempo em que admitia outras lógicas de distribuição por razões que a história explica associadas ao pós-guerra e ao inimigo soviético. Isto não vai parar, pois só um dado grau de controlo democrático deste capitalismo selvagem de novo tipo o poderá fazer, o que implica uma democracia também reinventada e um regresso da política ao plano das decisões globais. Ao estado democrático não basta tratar dos estragos do descontrolo selvagem deste sistema no planeta e em cada economia, com os seus conselhos de administração – “nomeados” eleitoralmente pelas formações de eleitores mais ou menos agidas por diversas formas de medo e mais que minoritárias face à totalidade dos votantes - a fingir de governos. Quem parece mandar no mundo são os tais “Fundos Abutre” como lhes chamam. O sistema das eleições não elege um poder que governe, elege um conselho de administração para reparação dos estragos sistémicos – um governo bombeiro – e um grupo de apaniguados do caos desregulado que é útil ao financismo para destruição do que é despesa social e serviço público. 
Pois estamos então em pleno risco sistémico e como alguns dizem isto é – seria, mas não é - o resultado de malfeitorias, tentando fulanizar o que é do esquema – como se este Espírito Santo fosse menos sério que outros, o Jardim Gonçalves, ou outro nome qualquer e o que acontece fosse coisa de “psicopatas vigaristas” que, curiosamente, são quem manda. Como se o sistema fosse alheio a isso e produzisse, a contrário, por efeito sistémico, doses de ética a montante a jusante da vida da dívida fluxionária e das bolsas, só que nada garantindo relativamente ao perfil dos seus administradores, principalmente dos Presidentes, apesar do BES ter internamente seis instâncias de controlo dos seus movimentos financeiros. 
Não vive o sistema de fraude, de esbulho, de saque e de saques iniciais – está teorizado e a cada início ou recomeço de fortuna é notório – de golpadas, de desvios, de produtos especulativos, de bolhas, como dizem, de um esquema transversal e mais ou menos oculto, de falta de ética e traficância em toda a sua orgânica altamente artificializada e compartimentada? Não é o financismo uma nova etapa da guerra sistémica do capitalismo contra toda e qualquer ordem mais justa que a que o seu caos alimentado poderosamente cria no mundo, porque para ele essa ordem é despesa, e pública, e a isso reage cegamente? 
Banqueiro sério? Só mesmo o do Pessoa que se revela, sem disfarce, inimigo das ficções sociais. Valha-nos a Dona Branca, coitadinha, ao menos não provocava risco sistémico, só mesmo lá no quarteirão.

fernando mora ramos