quinta-feira, 11 de julho de 2013

Há o queixo


Há o queixo-biqueira
E o queixo-quadrado
Na o’neilliana eira
No país malfadado
Do queixo-biqueira
Se espera a barata
Que em pose foleira
Traga na asa a prata
Que no prego renda
A preguiça e a venda
Que chico-esperto é
Forma de ser e polé
Do queixo-quadrado
Nada virá inesperado
É mesmo alternância
O mesmo do mesmo
Entre fome e ganância
É o preço o remesmo
Antes biqueira do chico
Que o nobre alpiste
Do quadrado em riste
Ora mostre lá o bico


fernando mora ramos

A fábula do golpista, do coelho-oco e do cavaco-duro

Coelho Oco – Oh, Portas do poder, fechais-vos assim para mim. E a cenourinha, onde vou buscá-la que não quero cultivá-la. Conhecem algum coelho horticultor? Estive no empresariado mas apenas para projectar tocas em torno de aeródromos, tocas acústicas para atenuar o impacto sonoro-ecológico das avionetas incendiárias, uma coisa de formação para surdos aviadores toupeiras com asas, com dinheiros do quadro comunitário agrículo-aviador – temos Mar, mas temos céu que o espelha, o nosso céu é também o céu da nossa ilimitada fronteira marítima – os fogos do futuro estão no futuro e o futuro é o Mar cá dentro.
Portas Falso – Eu quando fecho a porta fecho a porta, sou inexorável, irrevogávelirrepetível, irra… cionacio, na…cio…nal… algo, filho de algo.
Cavaco Duro – Temos chuva na eira e chuva no nabal, algo está mal, nada proverbial. Vou à Wikipédia. Eh pá, aqui diz: água a mais não dá saúde nem faz crescer. Vou consultar o papel, o que será crescer? Se fosse crescimento era fácil, mas crescer!
Coelho Oco  Oh Portas, abre lá. O que tens tu contra a Albuquerque? Querias uma Sacadura Cabral ou outro animal?
Portas Falso – Eu quando fecho a minha porta, a minha porta, a porta do meu táxi-existencialfecho-a para sempreA minha porta fechada é uma porta ética.
Cavaco Duro – Pé de cabra: instrumento que parte portas – não é necessário no caso das portas falsas pois estas reabrem sozinhas, por si mesmas, são animadas pela flexibilização ética ilimitada, o que nada tem com a flexibilidade laboral que é uma ginástica para pobres.(monologado murmúrioGrande salada.
Gazua: instrumento que abre qualquer portas e que qualquer portas conhece. É esguio e penetra silenciosamente, parece-se com uma lingueta espalmada. Eh pá, que complicação. Pé-de-cabra ou gazua diz-me tu, Oh Madame do Leste? Ainda me boliqueimo.
Coelho Oco – Abre lá, senão acabou-se para ti e para mim e sais dos 10 mais, ficas pequenino estatístico, assim mindinho numérico, tás a topar. E eu não sou horticultor, não tenho cenouras minhas, nem nada assim. Cenoura minha gentil que te partiste abre lá…
Portas Falso – (abrindo a porta e espreitando o coelho que está de joelhos virado para os Jerónimos) A porta está fechada.
Cavaco Duro – Vou ver a lei. A lei vai safar-me.
Portas falso – (fadado pelo destino, agora na moldura da porta, em corpo inteiro para a História – reparem no H) A portas está fechada, sou um plural majestático, sou IRREVOGÁVEL.



fernando mora ramos

terça-feira, 9 de julho de 2013

Portugal

Portugal é o Entroncamento, um entroncamento constante cujos caminhos se (des)encontram e repartem em direcções não conexas. Ir para a frente é afinal recuar, regredir, o futuro. Uma encruzilhada de caminhos aleatórios, inesperados não pela surpresa absoluta da sua desconexão geométrica no corpo cobaia do país, mas pela emergência incontrolável dos factos políticos que a mediocridade, nos lugares de decisão determinante, inventa: becos em perspectiva, de cada vez que se faz uma pausa maior, resultado aliás da capacidade de autobloqueio, de estagnar – quem é o chico-esperto mais que um medíocre à procura de safar-se num desenrascanço pleno de génio? Para este tipo de gente, politiqueiros e comentadores que fazem de seus duplos de cobertura no preenchimento de um templo pleno mediático – para cada político um comentador, jornalista a caminho da política ou ex-político em travessia de regresso à política ou mesmo estrela televisiva – o pior é poderem parar para, como dizem, pensar – pensa-se o quê num país sem opinião pública mas com um coro interminável de franco-atiradores atirando frases inteligentíssimas para o vazio que as acolhe, parte deles comprados e outros completamente entregues a um suposto estilo fastio/fashion, arvorado com um suposto toque de classe no rosto entediado? O ideal seria estarem, uns e outros, sempre a viajar, longe de nós, num eterno voo diplomático, por exemplo.
Caminhamos a caminho de um nada cuja bandeira maior interior, a do desejo, é sempre gastronómica – num livro antigo sobre feitios identitários vocacionais um estrangeiro iluminado estranhava que comer se acompanhasse, entre nós, de falar de comer e grunhidos de prazer, mas que melhor haverá?
De facto, depois do entroncamento, um túnel, interminável narrativa e ao fundo desse túnel, sempre inacabado, um colorido amanhã, pleno dos avisos de que mesmo assim teremos de continuar austeros, regurgitados cantos de mestrados e mestrandos de Bolonha engravatados de nó largo, mágicos, curandeiros, estrelas mediáticas, locutores de intimidades, escritores feitos em “hora nobre” televisiva, jovens recém-chegados ao poder e chefs de kitchen, esses poetas do design gastronómico e da mise en plat de supremo gosto, palco para danças de alface, pepino e fragmento único de lasca de peixe desconhecido – uma aventura ultra congelada por certo.
Mas, no poder nunca tínhamos tido nada assim. Portas, Cavaco e Passos desafinam com uma coerência trágica nunca havida. É uma coerência de autoconvencimentos vários. Portas é o campeão do chico-espertismo, hábil no circo da política, perito em golpismos tácticos, em recuar no avanço e avançar no recuo, instrumentalizando quem for, Cavaco é um perito em imobilidade, campeão de águas sempre paradas que só mexeu em algo quando havia Europa em contante, com os resultados sabidos nas pescas, nas ferrovias, na agricultura, etc., Passos, já chegado depois da massa financeira convertida em dívida – o dinheiro é o mesmo - um político de “novo tipo”, destes que julgam que o Estado é uma empresa e pode ser uma empresa e que a política são os negócios num mundo em que o mundo são os mercados e em que ele, Primeiro-Ministro é um tipo que decide sozinho porque decide e acabou-se, campeão de tautologias – pelos vistos esta última decisão é a de ser enquanto Primeiro-Ministro o último dos ministros quanto a competências orgânicas, fica mesmo só com os palpites, porventura será porta-voz, para além da Cultura claro. Uma maioria, um Presidente e um governo da mesma direita é um desastre completo. Na realidade esta tripla é o cúmulo da inconsistência política elevado ao quadrado, a cúpula do vazio. Nada têm a propor, nenhuma ideia de futuro, nenhum projecto para Portugal. Está provado ao fim destes dois anos. Onde, na lógica de uma, pelo menos imaginável, direita competente já estaríamos? Nas metas que perseguem, a caminho, num caminho? Nunca a política foi tão parecida com um poker de intrigas como agora, com a pequena política – só há pequena política, os desígnios nacionais submergem na subalternização da própria pequena politica ao feitio individual. Estes senhores não cedem, são fronteiras de individualismo, cada um o seu Estado em contraponto de posições, numa negociação permanente de importâncias pessoais que ofende o povo pois nada tem de estratégico nem de ético. A fulanização atingiu o seu absoluto. O que se passou foi um golpe de Estado montado por Portas em que Portas passou a Primeiro-Ministro e que provou que Passos se agarra ao poder a qualquer preço. Ele bem sabe que no que aí vem ele não existe. Resta-nos aguardar que o desmoronamento do desmoronado governo seja o apocalipse de Belém também. Os outros caíram de podres, com a aceleração da história as coisas são hoje mais rápidas e múltiplas, condicionadas também pela multiplicação dos canais da sua espectacularização. O poder vive hoje para organizar no bastidor o espectáculo, como outrora vivia na imagem estável para se organizar poder no bastidor. Nessa época as eminências pardas eram relevantes e agiam pardamente nas entrelinhas cosidas da sombra comprada, agora a eminência parda coincide com a estrela político-mediática e teremos, entretanto, de os gramar no esplendor do seu enfadonho amadorismo.
fernando mora ramos

segunda-feira, 1 de julho de 2013

O único e a sua clone promovida

A demissão de Gaspar é a demissão do governo. O falhanço de Gaspar é o falhanço do governo e da sua prática política idealmente pobre, unilateral e única. Desde que este governo governa verificamos que o país entrou em desgoverno e que mesmo os que são nele considerados, pela inteligência sistémica, melhores governantes, só conseguem minorar os estragos que a política única faz nos seus sectores – é o caso de Paulo Macedo, criatura nada simpática mas suficientemente discreta, e que tem evitado habilmente que um sector essencial como é a saúde, sempre em guerra civil latente, tenha estoirado, quando, na realidade dos hospitais, o que se passa é verdadeiramente trágico, dos tempos de espera nas urgências, às triagens amalucadas, aos “velhos” que vão morrendo, pelo desaparecimento de tratamentos e médicos, de fármacos e descontos, enquanto os trâmites burocráticos vão paulatinamente rumando os processos da sua neutralidade administrativa e legal para efeito de contas – boa burocracia contabilista em objectivo, má medicina na realidade, apesar dos excelentes médicos e profissionais, repito, excelentes. Na educação, como sabemos, a coisa não foi assim, e é muito pior o que nas escolas se pode verificar, por quem lá ande e fale – um dos problemas hoje, é mesmo o medo, o medo da represália, da mão pesada do chefe ao serviço do de cima, do acólito também. Os cursos superiores vão sendo cada vez mais como as cartas da farinha amparo e esse orgulho de sermos a primeira geração de licenciados a transbordar os limites, encontra cada vez menos correspondência na qualidade dos cursos – não esquecer que os tais rankings, para quem os segue, são os de uma Europa em perda, em retrocesso e portanto vão nivelando o que piora pela média desse pior gradativo que se instala -, havendo mesmo cursos com cadeiras com  precedentes de provas vocacionais que, por decisão inteligentíssima de Conselhos Científicos e Presidências, se compram como se compram pastilhas. Chegas ao guichet da escola superior politécnica e compras a cadeira. A perspectiva da escola empresa é total, os alunos são clientes, o ensino uma mercadoria que se vende, as aprendizagens processos de vazio cheios de nada entretenedor em muitos casos – claro que contra este estado, muitos professores, fazem o seu combate e muitas vezes solitariamente, em isolamento dado o modo como as escolas vão sendo cada vez menos equipas, para serem uma soma de pessoas que não sabem nem quem é o parceiro do lado, nem o que faz. Na cultura o desastre é total, nos museus, apesar de muitos directores e especialistas, no cinema, apesar da linha docudramática – como se diz em Moçambique - de êxito recente, nos teatros, contra tudo e contra todos, fazendo das tripas coração e regressando à militância com sacrifício das condições profissionais, com equipas reduzidas e desemprego crescente, impossibilidade de oferta aos mais novos de hipóteses de trabalho e horizontes de reportório adiados.  E por aí adiante em outros sectores. 
Isto explica-se: é o resultado da política única, de um único caminho da política, da lógica orçamentalista ligada a uma ideia única do futuro imediato, imposta à força e forçando realidades e instituições, contextos e bolsas emergentes de democracia cultural – no teatro é clara a passagem da possibilidade da existência, da inscrição, para a trincheira e mesmo para o cemitério -, que é essa ideia de que agora vamos emagrecer o estado, os portugueses, endireitar as contas públicas, inventar um país de empresários e empresas de sucesso tirado da cartola da linha financeira e como resultado directo das contabilidades de génio, pura semente ouro – não se trata de economia, como sabemos. A política é só financeira e impõe-se enquanto política ao conjunto das políticas que submete e subalterniza. Mas a coisa é ainda mais grave na medida em que é uma política para o próximo ano, uma política de “no próximo ano se inicia a recuperação” - uma política sem o prazo sequer do mandato - um próximo ano  que é para retificar o último desvio de contas previsto, o último erro e o próximo erro, até ao desastre total do mandato que o PR não tem a coragem de interromper para salvar o país de um destino ainda mais negro. Errar é humano, corrigir o erro é humano. Repetir o erro pela terceira e quarta vez é humano e, podemos dizer de modo consensual, pouco clarividente, falho de mínimos de inteligência. A que se deve isso? Ao espírito de cartilha, ao unilateralismo de raciocínio. O que caracteriza os dogmatismos é a insensibilidade aos fluxos da realidade, a preexistência incrustada no cérebro dos princípios rígidos de uma cartilha. É o caso do austeritarismo: é um dogmatismo. Mas é um dogmatismo que visa um objectivo, a  concentração totalitária da riqueza nas mãos de um poder que Toni Negri define como Império, um conjunto limitado de Estados, de Empresas Multinacionais e Instituições Globais que governam o mundo deste modo que tem relançado a miséria e a multiplicação das guerras por todo o lado, espreitando sempre a possibilidade da nova guerra útil ao Império –  não alargando muito temos Afeganistão, Koweit, Iraque, Síria e há “candidatos” previstos em linha de espera, como se intui e sabe. 
Os mercados desregulados não desgovernam sem o crescimento da pobreza e a violência generalizada, é a sua sina num momento da civilização em que estão criadas as condições de riqueza global, conhecimento e tecnologias para superar tudo isso e os arcaísmos desnecessários, sem destruição das identidades culturais, por muito que a globalização seja o seu exacto oposto.  
O desaparecimento de Gaspar é a certidão de óbito do Governo, o governo morreu, o governo era Gaspar e o espírito de Gaspar e não é necessária a novela dos segundos homens, nem do primeiro-ministro que não o era, para explicar o que seja. Isso serve para alimentar a novelazita básica e elementar, essa de um Paulo Portas que na sombra de toda a luz manobra para ser segundo porque quer ser primeiro. Primeiro-Ministro, primeiro de tudo, depois Presidente, mas mais velhinho – a longevidade crescente dos bem alimentados ajudará.  
Será que isto ainda pode piorar? Será que esta deriva radical financista continuará? Será que a destruição total do que a democracia criou continuará até que o país anorético não tenha cura? Será que a democracia cultural emergente – ela já seria na  saúde e educativa, melhor ou pior, com avanços significativos na Ciência – desaparecerá por completo com a política de vazio cultural e artístico que segue o Ministério das Finanças num país que não tem Ministério da Cultura, nem Secretaria de Estado da Cultura, mas apenas um Secretário que é subalterno directo – que luxo - do Primeiro-Ministro? Já tudo estava claro, como desastre por vir, na primeira orgânica ministerial escolhida. É que nem a via única é boa – como se sabe pelas linhas de comboio – nem o desnorte total tem um horizonte, e esse das contas é de facto a sua ausência, ninguém faz futuro apenas poupando com o que rouba aos pobres, contra a lição de Robin Hood – o xerife que parte agora, era mesmo bera, debaixo dos seus modos delicados e  slow motion, inteligência lenta. No regime da velha senhora – digna, mais que digna, ao contrário da outra, na aparência, claro – acumulámos reservas de ouro de fazer inveja aos grandes. O que eles não invejavam era o analfabetismo e a miséria que também tínhamos para exportar.

fernando mora ramos