Isto explica-se: é o resultado da política única, de um único caminho da política, da lógica orçamentalista ligada a uma ideia única do futuro imediato, imposta à força e forçando realidades e instituições, contextos e bolsas emergentes de democracia cultural – no teatro é clara a passagem da possibilidade da existência, da inscrição, para a trincheira e mesmo para o cemitério -, que é essa ideia de que agora vamos emagrecer o estado, os portugueses, endireitar as contas públicas, inventar um país de empresários e empresas de sucesso tirado da cartola da linha financeira e como resultado directo das contabilidades de génio, pura semente ouro – não se trata de economia, como sabemos. A política é só financeira e impõe-se enquanto política ao conjunto das políticas que submete e subalterniza. Mas a coisa é ainda mais grave na medida em que é uma política para o próximo ano, uma política de “no próximo ano se inicia a recuperação” - uma política sem o prazo sequer do mandato - um próximo ano que é para retificar o último desvio de contas previsto, o último erro e o próximo erro, até ao desastre total do mandato que o PR não tem a coragem de interromper para salvar o país de um destino ainda mais negro. Errar é humano, corrigir o erro é humano. Repetir o erro pela terceira e quarta vez é humano e, podemos dizer de modo consensual, pouco clarividente, falho de mínimos de inteligência. A que se deve isso? Ao espírito de cartilha, ao unilateralismo de raciocínio. O que caracteriza os dogmatismos é a insensibilidade aos fluxos da realidade, a preexistência incrustada no cérebro dos princípios rígidos de uma cartilha. É o caso do austeritarismo: é um dogmatismo. Mas é um dogmatismo que visa um objectivo, a concentração totalitária da riqueza nas mãos de um poder que Toni Negri define como Império, um conjunto limitado de Estados, de Empresas Multinacionais e Instituições Globais que governam o mundo deste modo que tem relançado a miséria e a multiplicação das guerras por todo o lado, espreitando sempre a possibilidade da nova guerra útil ao Império – não alargando muito temos Afeganistão, Koweit, Iraque, Síria e há “candidatos” previstos em linha de espera, como se intui e sabe.
Os mercados desregulados não desgovernam sem o crescimento da pobreza e a violência generalizada, é a sua sina num momento da civilização em que estão criadas as condições de riqueza global, conhecimento e tecnologias para superar tudo isso e os arcaísmos desnecessários, sem destruição das identidades culturais, por muito que a globalização seja o seu exacto oposto.
O desaparecimento de Gaspar é a certidão de óbito do Governo, o governo morreu, o governo era Gaspar e o espírito de Gaspar e não é necessária a novela dos segundos homens, nem do primeiro-ministro que não o era, para explicar o que seja. Isso serve para alimentar a novelazita básica e elementar, essa de um Paulo Portas que na sombra de toda a luz manobra para ser segundo porque quer ser primeiro. Primeiro-Ministro, primeiro de tudo, depois Presidente, mas mais velhinho – a longevidade crescente dos bem alimentados ajudará.
Será que isto ainda pode piorar? Será que esta deriva radical financista continuará? Será que a destruição total do que a democracia criou continuará até que o país anorético não tenha cura? Será que a democracia cultural emergente – ela já seria na saúde e educativa, melhor ou pior, com avanços significativos na Ciência – desaparecerá por completo com a política de vazio cultural e artístico que segue o Ministério das Finanças num país que não tem Ministério da Cultura, nem Secretaria de Estado da Cultura, mas apenas um Secretário que é subalterno directo – que luxo - do Primeiro-Ministro? Já tudo estava claro, como desastre por vir, na primeira orgânica ministerial escolhida. É que nem a via única é boa – como se sabe pelas linhas de comboio – nem o desnorte total tem um horizonte, e esse das contas é de facto a sua ausência, ninguém faz futuro apenas poupando com o que rouba aos pobres, contra a lição de Robin Hood – o xerife que parte agora, era mesmo bera, debaixo dos seus modos delicados e slow motion, inteligência lenta. No regime da velha senhora – digna, mais que digna, ao contrário da outra, na aparência, claro – acumulámos reservas de ouro de fazer inveja aos grandes. O que eles não invejavam era o analfabetismo e a miséria que também tínhamos para exportar.
fernando mora ramos
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