segunda-feira, 1 de julho de 2013

O único e a sua clone promovida

A demissão de Gaspar é a demissão do governo. O falhanço de Gaspar é o falhanço do governo e da sua prática política idealmente pobre, unilateral e única. Desde que este governo governa verificamos que o país entrou em desgoverno e que mesmo os que são nele considerados, pela inteligência sistémica, melhores governantes, só conseguem minorar os estragos que a política única faz nos seus sectores – é o caso de Paulo Macedo, criatura nada simpática mas suficientemente discreta, e que tem evitado habilmente que um sector essencial como é a saúde, sempre em guerra civil latente, tenha estoirado, quando, na realidade dos hospitais, o que se passa é verdadeiramente trágico, dos tempos de espera nas urgências, às triagens amalucadas, aos “velhos” que vão morrendo, pelo desaparecimento de tratamentos e médicos, de fármacos e descontos, enquanto os trâmites burocráticos vão paulatinamente rumando os processos da sua neutralidade administrativa e legal para efeito de contas – boa burocracia contabilista em objectivo, má medicina na realidade, apesar dos excelentes médicos e profissionais, repito, excelentes. Na educação, como sabemos, a coisa não foi assim, e é muito pior o que nas escolas se pode verificar, por quem lá ande e fale – um dos problemas hoje, é mesmo o medo, o medo da represália, da mão pesada do chefe ao serviço do de cima, do acólito também. Os cursos superiores vão sendo cada vez mais como as cartas da farinha amparo e esse orgulho de sermos a primeira geração de licenciados a transbordar os limites, encontra cada vez menos correspondência na qualidade dos cursos – não esquecer que os tais rankings, para quem os segue, são os de uma Europa em perda, em retrocesso e portanto vão nivelando o que piora pela média desse pior gradativo que se instala -, havendo mesmo cursos com cadeiras com  precedentes de provas vocacionais que, por decisão inteligentíssima de Conselhos Científicos e Presidências, se compram como se compram pastilhas. Chegas ao guichet da escola superior politécnica e compras a cadeira. A perspectiva da escola empresa é total, os alunos são clientes, o ensino uma mercadoria que se vende, as aprendizagens processos de vazio cheios de nada entretenedor em muitos casos – claro que contra este estado, muitos professores, fazem o seu combate e muitas vezes solitariamente, em isolamento dado o modo como as escolas vão sendo cada vez menos equipas, para serem uma soma de pessoas que não sabem nem quem é o parceiro do lado, nem o que faz. Na cultura o desastre é total, nos museus, apesar de muitos directores e especialistas, no cinema, apesar da linha docudramática – como se diz em Moçambique - de êxito recente, nos teatros, contra tudo e contra todos, fazendo das tripas coração e regressando à militância com sacrifício das condições profissionais, com equipas reduzidas e desemprego crescente, impossibilidade de oferta aos mais novos de hipóteses de trabalho e horizontes de reportório adiados.  E por aí adiante em outros sectores. 
Isto explica-se: é o resultado da política única, de um único caminho da política, da lógica orçamentalista ligada a uma ideia única do futuro imediato, imposta à força e forçando realidades e instituições, contextos e bolsas emergentes de democracia cultural – no teatro é clara a passagem da possibilidade da existência, da inscrição, para a trincheira e mesmo para o cemitério -, que é essa ideia de que agora vamos emagrecer o estado, os portugueses, endireitar as contas públicas, inventar um país de empresários e empresas de sucesso tirado da cartola da linha financeira e como resultado directo das contabilidades de génio, pura semente ouro – não se trata de economia, como sabemos. A política é só financeira e impõe-se enquanto política ao conjunto das políticas que submete e subalterniza. Mas a coisa é ainda mais grave na medida em que é uma política para o próximo ano, uma política de “no próximo ano se inicia a recuperação” - uma política sem o prazo sequer do mandato - um próximo ano  que é para retificar o último desvio de contas previsto, o último erro e o próximo erro, até ao desastre total do mandato que o PR não tem a coragem de interromper para salvar o país de um destino ainda mais negro. Errar é humano, corrigir o erro é humano. Repetir o erro pela terceira e quarta vez é humano e, podemos dizer de modo consensual, pouco clarividente, falho de mínimos de inteligência. A que se deve isso? Ao espírito de cartilha, ao unilateralismo de raciocínio. O que caracteriza os dogmatismos é a insensibilidade aos fluxos da realidade, a preexistência incrustada no cérebro dos princípios rígidos de uma cartilha. É o caso do austeritarismo: é um dogmatismo. Mas é um dogmatismo que visa um objectivo, a  concentração totalitária da riqueza nas mãos de um poder que Toni Negri define como Império, um conjunto limitado de Estados, de Empresas Multinacionais e Instituições Globais que governam o mundo deste modo que tem relançado a miséria e a multiplicação das guerras por todo o lado, espreitando sempre a possibilidade da nova guerra útil ao Império –  não alargando muito temos Afeganistão, Koweit, Iraque, Síria e há “candidatos” previstos em linha de espera, como se intui e sabe. 
Os mercados desregulados não desgovernam sem o crescimento da pobreza e a violência generalizada, é a sua sina num momento da civilização em que estão criadas as condições de riqueza global, conhecimento e tecnologias para superar tudo isso e os arcaísmos desnecessários, sem destruição das identidades culturais, por muito que a globalização seja o seu exacto oposto.  
O desaparecimento de Gaspar é a certidão de óbito do Governo, o governo morreu, o governo era Gaspar e o espírito de Gaspar e não é necessária a novela dos segundos homens, nem do primeiro-ministro que não o era, para explicar o que seja. Isso serve para alimentar a novelazita básica e elementar, essa de um Paulo Portas que na sombra de toda a luz manobra para ser segundo porque quer ser primeiro. Primeiro-Ministro, primeiro de tudo, depois Presidente, mas mais velhinho – a longevidade crescente dos bem alimentados ajudará.  
Será que isto ainda pode piorar? Será que esta deriva radical financista continuará? Será que a destruição total do que a democracia criou continuará até que o país anorético não tenha cura? Será que a democracia cultural emergente – ela já seria na  saúde e educativa, melhor ou pior, com avanços significativos na Ciência – desaparecerá por completo com a política de vazio cultural e artístico que segue o Ministério das Finanças num país que não tem Ministério da Cultura, nem Secretaria de Estado da Cultura, mas apenas um Secretário que é subalterno directo – que luxo - do Primeiro-Ministro? Já tudo estava claro, como desastre por vir, na primeira orgânica ministerial escolhida. É que nem a via única é boa – como se sabe pelas linhas de comboio – nem o desnorte total tem um horizonte, e esse das contas é de facto a sua ausência, ninguém faz futuro apenas poupando com o que rouba aos pobres, contra a lição de Robin Hood – o xerife que parte agora, era mesmo bera, debaixo dos seus modos delicados e  slow motion, inteligência lenta. No regime da velha senhora – digna, mais que digna, ao contrário da outra, na aparência, claro – acumulámos reservas de ouro de fazer inveja aos grandes. O que eles não invejavam era o analfabetismo e a miséria que também tínhamos para exportar.

fernando mora ramos

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