terça-feira, 9 de julho de 2013

Portugal

Portugal é o Entroncamento, um entroncamento constante cujos caminhos se (des)encontram e repartem em direcções não conexas. Ir para a frente é afinal recuar, regredir, o futuro. Uma encruzilhada de caminhos aleatórios, inesperados não pela surpresa absoluta da sua desconexão geométrica no corpo cobaia do país, mas pela emergência incontrolável dos factos políticos que a mediocridade, nos lugares de decisão determinante, inventa: becos em perspectiva, de cada vez que se faz uma pausa maior, resultado aliás da capacidade de autobloqueio, de estagnar – quem é o chico-esperto mais que um medíocre à procura de safar-se num desenrascanço pleno de génio? Para este tipo de gente, politiqueiros e comentadores que fazem de seus duplos de cobertura no preenchimento de um templo pleno mediático – para cada político um comentador, jornalista a caminho da política ou ex-político em travessia de regresso à política ou mesmo estrela televisiva – o pior é poderem parar para, como dizem, pensar – pensa-se o quê num país sem opinião pública mas com um coro interminável de franco-atiradores atirando frases inteligentíssimas para o vazio que as acolhe, parte deles comprados e outros completamente entregues a um suposto estilo fastio/fashion, arvorado com um suposto toque de classe no rosto entediado? O ideal seria estarem, uns e outros, sempre a viajar, longe de nós, num eterno voo diplomático, por exemplo.
Caminhamos a caminho de um nada cuja bandeira maior interior, a do desejo, é sempre gastronómica – num livro antigo sobre feitios identitários vocacionais um estrangeiro iluminado estranhava que comer se acompanhasse, entre nós, de falar de comer e grunhidos de prazer, mas que melhor haverá?
De facto, depois do entroncamento, um túnel, interminável narrativa e ao fundo desse túnel, sempre inacabado, um colorido amanhã, pleno dos avisos de que mesmo assim teremos de continuar austeros, regurgitados cantos de mestrados e mestrandos de Bolonha engravatados de nó largo, mágicos, curandeiros, estrelas mediáticas, locutores de intimidades, escritores feitos em “hora nobre” televisiva, jovens recém-chegados ao poder e chefs de kitchen, esses poetas do design gastronómico e da mise en plat de supremo gosto, palco para danças de alface, pepino e fragmento único de lasca de peixe desconhecido – uma aventura ultra congelada por certo.
Mas, no poder nunca tínhamos tido nada assim. Portas, Cavaco e Passos desafinam com uma coerência trágica nunca havida. É uma coerência de autoconvencimentos vários. Portas é o campeão do chico-espertismo, hábil no circo da política, perito em golpismos tácticos, em recuar no avanço e avançar no recuo, instrumentalizando quem for, Cavaco é um perito em imobilidade, campeão de águas sempre paradas que só mexeu em algo quando havia Europa em contante, com os resultados sabidos nas pescas, nas ferrovias, na agricultura, etc., Passos, já chegado depois da massa financeira convertida em dívida – o dinheiro é o mesmo - um político de “novo tipo”, destes que julgam que o Estado é uma empresa e pode ser uma empresa e que a política são os negócios num mundo em que o mundo são os mercados e em que ele, Primeiro-Ministro é um tipo que decide sozinho porque decide e acabou-se, campeão de tautologias – pelos vistos esta última decisão é a de ser enquanto Primeiro-Ministro o último dos ministros quanto a competências orgânicas, fica mesmo só com os palpites, porventura será porta-voz, para além da Cultura claro. Uma maioria, um Presidente e um governo da mesma direita é um desastre completo. Na realidade esta tripla é o cúmulo da inconsistência política elevado ao quadrado, a cúpula do vazio. Nada têm a propor, nenhuma ideia de futuro, nenhum projecto para Portugal. Está provado ao fim destes dois anos. Onde, na lógica de uma, pelo menos imaginável, direita competente já estaríamos? Nas metas que perseguem, a caminho, num caminho? Nunca a política foi tão parecida com um poker de intrigas como agora, com a pequena política – só há pequena política, os desígnios nacionais submergem na subalternização da própria pequena politica ao feitio individual. Estes senhores não cedem, são fronteiras de individualismo, cada um o seu Estado em contraponto de posições, numa negociação permanente de importâncias pessoais que ofende o povo pois nada tem de estratégico nem de ético. A fulanização atingiu o seu absoluto. O que se passou foi um golpe de Estado montado por Portas em que Portas passou a Primeiro-Ministro e que provou que Passos se agarra ao poder a qualquer preço. Ele bem sabe que no que aí vem ele não existe. Resta-nos aguardar que o desmoronamento do desmoronado governo seja o apocalipse de Belém também. Os outros caíram de podres, com a aceleração da história as coisas são hoje mais rápidas e múltiplas, condicionadas também pela multiplicação dos canais da sua espectacularização. O poder vive hoje para organizar no bastidor o espectáculo, como outrora vivia na imagem estável para se organizar poder no bastidor. Nessa época as eminências pardas eram relevantes e agiam pardamente nas entrelinhas cosidas da sombra comprada, agora a eminência parda coincide com a estrela político-mediática e teremos, entretanto, de os gramar no esplendor do seu enfadonho amadorismo.
fernando mora ramos

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