domingo, 12 de agosto de 2012

Guerra fria

Neste período em que o calor aperta, o desconchavo e o oportunismo táctico tomam as suas pole positions na vida nacional: a produção de fantasias coxas do mais autêntico kitsch consegue ultrapassar qualquer previsão, mesmo a mais avisada da nossa originalidade extrema. A história dos ares condicionados, um pouco sádica para os calores que fazem tendo em conta o privilégio que uns tantos têm de lhes aceder e a tragédia da Casa das Histórias de Paula Rego só podiam suceder por cá, sendo que ares condicionados são um bem universal a que acedemos, como a coca-cola já depois de Abril – em termos fenoménicos, digamos - e Paula Rego uma pintora portuguesa, aqui nascida, de renome e dimensão universal. A primeira história é irrelevante, entretenimento, mas curiosamente mete Procurador-Geral, imprensa entusiasmada e comentários de partidos. Rouba tempo e visualidade, instantes, à novela principal – o fado da Crise - e traz a cena uma figura da política recente, multiplicando-se-lhe os retractos, de lacinho e camiseta burguesinhos a expurgá-la de contaminações proletárias anteriores, nos jornais e tempos de antena. A falta de programas de humor nas nossas TV’S e a sua duvidosa qualidade devem-se claramente a estas erupções de graça natural, arrasadoras da concorrência, que em qualquer momento podem ser A notícia nos nossos tabloides, jornais de referência e horas nobres. Qual será a próxima maravilha efabulada a brindar-nos este verão com contornos criativos tão geniais? Pelo sim pelo não tenham cuidado com as conversas sempre que o ar condicionado estiver ligado – vejam-lhe o prazo de validade - e se o tiverem ligado, ponham-no no máximo, para que o som do aparelho se sobreponha e proteja a confidencialidade da vossa conversa, certamente sobre a NATO ou uma Tomada confidencial da nossa Bastilha, ao Terreiro do Paço ou no Carmo.
A segunda história, esta de um ranking das Fundações – um tal júri conseguiu classificar negativamente a Fundação Gulbenkian, que é privada e que foi o nosso único Abril no tempo da ditadura, vanguarda da democracia e sustento de um Portugal moderno, culto e sábio - aproveita o amolecimento da tensão política para fazer avançar mais um passo a tragédia em curso, a conformação do país a um protectorado, lugar típico de turismos estrangeiros vários – gastronómico, paisagístico, litoral e rural, etc. - em que os museus, em alegre extinção, serão substituídos por novas burricadas, mui criativas. Em plena globalização o número significativo de notícias locais, de disparates nacionais identificáveis com a nossa singularidade – a do traço atávico, miguelista, agora dominante - é sem dúvida feito de verdadeiros campeões olímpicos da regressão cultural e um dado sistémico. Basta uma figura de relevo mediático abrir a boca para dizer uma qualquer coisa e logo a cadeia informativa se transforma numa novela instante. 
Desconchavo é: confundir intencionalmente instalações de ar condicionado com espionagem – a especialista do frio só agora se lembrou do que sabe ou sonhou há décadas – acto de imaginação infértil pois diz a sério o que poderia ser um guião dos Marx Brothers: o Chico e o Zeppo de dedos entre fusíveis, perdidos num emaranhado de fios e chipes, escondendo a foice e o martelo tatuados nas maçãs de adão, a montar um captador de conversas contra revolucionárias para o PCP fazer vingar a sua lucidíssima estratégia pró soviética – neste particular há que dizer que associar guerra fria com ar condicionado é de grande rigor político, o frio político e frio fabricado de mão dada, e que um PREC efabulado continua a pagar a factura de um sem rumo actual do país quando, em verdade, o país é de há décadas governado pelos partidos do tal centro móvel (agora à direitíssima) alternante, ora comes tu ora como eu, que o conduziram para o descalabro sabido pelas razões sabidas e que são as de que nos anos das vacas gordas do dinheiro europeu se construiu o actual sistema corrupto pela mão de uma classe de novos ricos que ascendeu cavalgando-o como instrumento.
Quanto à Casa das Histórias que fazer? Terão estes senhores do governo a mínima noção do que fazem? Em que ranking caberá um Júri que afunda a Gulbenkian e ataca Paula Rego? Estaremos condenados à mediocridade?
Curioso é verificar o SEC – Secretário do Estado da Cultura - afirmar que a exposição de Joana Vasconcelos em Versalhes tem de ir para o Palácio de Queluz.
Fernando mora ramos

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