sexta-feira, 3 de agosto de 2012

METEODRAMÁTICOS

A notícia meteorológica vive umbilicada com o tempo psicológico. Desde que é economia mediatizada do consumo e seus ditames weekendianos gera instabilidade, dados científicos vividos com humor bipolar, a natureza logo mitificada a partir do que a esclarece, a previsão a funcionar como totobola. O incauto consumidor de meteorologia, num mal-estar de impotência acrescida vive a novela do tempo em heterónimo meteo-paranóide, ao sabor das suas viragens, deus irascível ou assassino armado de ultra violetas. O candidato a bronzeado, esponja e camaleão, acrobata de mimetismos atmosféricos, vira barómetro existencial – nunca fomos tão colados à nossa pele.
A história é: nada do que acontece é sem mediação, quando presenciamos algo o filtro das nossas noções e humores faz o seu trabalho de interpretação. O que presenciamos tem também uma escala para além dos limites da percepção. O que nos chega deriva de, foi ou será consequência de um complexo de causas que nunca perceberemos sem instrumentos de mediação – medição - científicos.
Paradoxalmente, na sociedade do espectáculo, a mais científica descrição do estado do tempo transforma-se na mais irracional reacção na recepção consumista. A ciência gera o seu contrário: o medo e a confusão, a decepção. O desejo narciso alimentado pelo grande educador publicitário - a grande escola - não suporta o não, a dor é na biopolítica geral um sucedâneo indesejado, dano colateral, mal vivida e nunca aprendizagem.
O tempo trai-nos com a sobreposição dramatizada dos climas noticiosos, capazes de pescar nas águas instáveis do nosso sentir instante, sensível ao alerta amarelo hoje, Algarve devastado amanhã – ouve-se a meteo e faz-se uma trip alucinada com incêndios, praias de hora de ponta sôfrega desertificadas num ápice.
A anunciada vaga quente e seca que veio mesmo, qual Sebastião realizado, após semanas de tempo inseguro fora do tempo, tempo indesejado, aparece como um excesso que não corresponde à expectativa estival e contraria a fome de ter o bom tempo, já que a crise instaurou um outro mau tempo permanente - ao menos que o sol não seja austero nem imponha imposto, além do Iva do creme.
Somos animais em perda de corpo que não de capacidade predadora e violência ilimitada, agora de controlo remoto a coexistir com o corpo a corpo, drones no Paquistão e guerra de rua em Damasco.
A verdadeira novela do tempo, extrapolada do anúncio meteorológico, ligou recentemente uma calor excepcional a uma descida abrupta da temperatura – põem-te a cenoura diante do olho e prometem no mesmo gesto a chegada do pau, o tempo de gozar é mais efémero que efémero, tens de o correr.
Ninguém tem mão no tempo, nem o pentágono nem os chineses; que saudades do tempo em havia quatro estações, infância da humanidade. 
Tudo isto não é inocente mesmo que não exista por detrás conspiração que possamos traduzir por nenhuma teoria, a não ser aquela que diz que estamos a destruir o planeta pela via do aquecimento global.
Em boa verdade o tempo está doente e nós doentes do tempo, em consonância cósmica e psicologia diária. E o tempo determina tudo, principalmente o que as indústrias do espectáculo, do lazer e do corpo vendem, adrenalina no máximo, fins-de-semana sem nenhuma adrenalina, escapadelas, emigrações massivas estivais, fugas solitárias acompanhadas de outras fugas solitárias e outras práticas induzidas ao milímetro, mas também práticas com estatuto existencial mais remediado, ir à praia na Cruz Quebrada, por exemplo.
Muito se passa no trânsito condicionado e orientado entre a indústria comunicacional de eventos atmosféricos e os modos de os receber. Nas estradas da comunicação não há ciência que resista, os limites da divulgação científica estão aqui assinalados, a qualidade da informação original degenera pela ansiedade da recepção e sua capacidade de dramatizar ficcionando, de modo mais ou menos vulgar – por isso a ciência ou a arte são exercícios que necessitam de condições de significação elitistas para todos, necessitam da generalização dos teatros de câmara contras as dimensões circenses da comunicação massiva.
E continuamos sem saber cientificamente – a novela da ciência também é alimentada, tudo tem de ser sensacional, espectáculo e sem ele nada existe (in vídeo veritas)- o que é que a governação do planeta, o sistema de interacções dos verdadeiros poderes, financeiros e políticos, têm na verdade feito sistemicamente do ar que respiramos, da nossa água, da nossa vida, do nosso futuro.

fernando mora ramos

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