quarta-feira, 16 de maio de 2012

Europa e europa

A confirmação de uma agência internacional de que o Serviço Nacional de Saúde está pior só vem confirmar com atraso o que sentimos na pele desde que se assumiu a regressão como meta – o tal apertar no cinto que para uns é acabar com a gordura e para outros será mesmo ficar sem cinto e de calças na mão. Em boa verdade que Europa é esta europa que se submete por inteiro às leis do mercado selvagem e ademocrático e que está disposta a menos democracia para manter os lucros da especulação obscena de uns poucos como parte harmónica do sistema? Mas o sistema é a economia, o financismo, contra a democracia e os serviços públicos, o único garante real do acesso da maioria da população à saúde, à educação, à cultura, à casa e portanto a mínimos estruturantes e vitais de alegria? O crédito, quando surge, não surge com objectivos especulativos mas sim com objectivos de desenvolvimento económico e de superação da indigência social, como podemos constatar numa carta de Angelo Beolco, dramaturgo italiano do renascimento, em que ele fala de um dinheiro que serve os camponeses, que os ajuda na sua pequena economia a prosperar. A palavra usura aparece nesse contexto com um sentido positivo, ao contrário do que já não acontece no século XVIII quando em Goldoni falam os Rústicos – “prefiro guardar as moedinhas a gastá-las vendo o novo mundo pela luneta” diz um rústico – a propósito já da concentração da propriedade através da técnica homicida do juro incomportável. O que de facto não é de estranhar é que há de modo cada vez mais claro e com prova histórica duas europas: a Europa e a europa. A primeira gerou-se na democracia e dentro desta alcançou o bem estar que a verdadeira social democracia concretizou nos anos setenta/oitenta – porque será que um partido liberal se apelida de social democrata? A segunda tem atrás de si todo um cortejo de experiências ditatoriais, desde o franquismo, ao fascismo mussoliniano e português para expressar os exemplos notórios juntando-se-lhe o nazismo, trauma da história universal que veio fazer com que a humanidade do homem daí para frente fosse questionada de modo novo. Que humanidade é capaz de construir um mundo em que o paradigma é a superioridade racial de uns e a escravização, tortura e liquidação massiva de outros? Onde estamos nós agora? Na Europa ou na europa? Estamos na realidade a caminho da europa. Não só a desqualificação generalizada da vida da população de parte da Europa é decidida pela força de uns europeus contra outros, mas também a democracia é suspensa pela mesma força de impor tutelas governativas por via não democrática a países que o aceitaram, tanto no caso italiano como no grego. Mas o sinal mais claro desta regressão democrática a caminho de uma Europa que é de novo perigosamente europa é mesmo o modo como se instalou um sentimento generalizado anti gregos nessa europa dos ricos que, tendo as suas diferenças relativamente à ideologia nazi contra os judeus e à campanha globalizada contra o islamismo – à pala de perseguir o extremo comem todos – é da mesma forma o princípio da exclusão de um povo do convívio com os outros numa dita união. E porque razões? Por razões de contabilidade. É de facto mais importante pagar a taxa ilegítima – qual a sua base legal? - do juro incomportável ao dono do crédito que salvaguardar a democracia dentro de uma lógica Europeia, a da solidariedade – somos um mesmo espaço comum, um mesmo país feiro de países diferentes e por isso mesmo somos uma união, uma união de diferenças, nada mais rico que isso mesmo – como poderemos nós daqui para a frente falar de Homero e Sócrates como raiz comum da Europa se excluímos os seus irmãos contemporâneos? E como falar de berço da democracia formal? Na realidade, este tipo de divisão só se supera numa união, mas não numa união monetária, apenas numa união solidária. E que o que é que pode construir esta senão a valorização comum de princípios democráticos reconhecidos consensualmente e identificados como património, como justamente aquilo que é a razão do que é comum, da verdadeira união? A visita de Hollande à Senhora M. lança grandes expectativas e como Hollande diz com prazer estamos de olhos abertos na França – uns, outros estão enraivecidos. Mas subsiste uma dúvida clara que é aquela que o vocabulário transporta e que se lê na palavra crescimento como a palavra alternativa à palavra austeridade. A via do futuro não estará certamente entalada entre estes dois vocábulos e portanto aquilo que os teóricos de serviço dizem não passam de formas de servidão intelectual. Há mais vida que a vida que entre elas pode ser gerada e essa vida só pode ser a do aprofundamento da democracia e o fim da centralidade do financismo na economia e desta como O TEMA ÚNICO. Vamos falar de estar vivos e viver? fernando mora ramos

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