domingo, 13 de maio de 2012

O nu da Rita não ri como a fruta da Pereira

Diz a Rita que cá não se despe toda mas que no Brasil sim, cá só se despe parte e com o pudor em aviso, por causa do trânsito de olhares previsível e dos pais que ela ama muito. E nós, os vestidos – Vestir os nus é Pirandello - ruminamos, claro, com o frio que fez quem é que se despe e claro, com o calor brasileiro, quem é que quer estar vestido? A miúda tem razão. Miúda? Empresa com curvas? Tira isso do corpo diz o mano brasileiro todo entediado ao ver-nos com o maldito hábito da roupa, essa invenção intelectual, cachecol, blusa, calça comprida, para quê, vá, veste a chinela e pronto, o laço tatuado na maçã de Adão e pronto, deixa o pendericalho respirar, cabeça para baixo e o berbigão soltar-se. Deixa correr o marfim, a pele e vai atrás do que sentes: se a brisa de um gesto te toca acende na toca do desejo a cobra ou o complexo mexilhão para as alturas do encontro entre fé e erotismo como Santa Teresa de Ávila. Se sentes é porque é verdade e essa verdade do que sentes é uma estrada que se deve seguir às cegas, como outras coisas na vida que são epidérmicas e de bom augúrio, o bronzeado, ser veado, ser macho na máquina musculado, comer amendoim picante e de pernas para o ar, ou de cu no altar, brincar ao carnaval – carne vale.
Ora na Europa, mesmo na mais a sul ocidental, despir não é seguir as origens que, em verdade, com a Santa madre Igreja em tutela, sempre foram vestidas, isso é, nada tendo a ver com a moda do índio fosse ele tupinambá fosse tupi, aquela moda que Vaz de Caminha constatou como natureza, expor as partes vergonhosas sem receio nem olhar pecador, assim tal como o coco, o mamão, o sagui e o papa-formigas, esse bicho de comicidade física, como aliás a preguiça, esse animal lento, mais lento que o cágado da história mas que não tem história porque o índio seu par natural não praticou a escrita mesmo escrita, era despido de escritas e por isso não punha roupa no corpo como uma gramática – tudo despido igual a igualdade, só diferia no penacho e na pintura guerreira, mas pouco, nada de classes sociais, assim mais organização tribal e fidelidade xamã, chefe e guerreiro, mulher e ancião, caçador e cozinheiro.
Despir por cá não passa na catequese, agora neoliberal – estes apostam nos lucractivos prostíbulos versus hotelaria - é coisa infiel e só passa em casa de gente que dedica a sua fé ao incréu valor, esse passaporte do ateu confesso para o mundo das ideias e não da religião. Assim um ateu educa o filho na liberdade do corpo, um catequista pelo contrário educa o filho no pudor da exposição do nu e instala a ditadura do estar vestido e das mãos uma na outra para não as porem noutras partes e perigos. Estar despido é estar longe do Senhor, por isso é que os padres estão sempre vestidos com aqueles balandraus: servem para tapar o corpo até ao pescoço, aquele colarinho alto um colar com chave simbólica. E os balandraus servem para tirar ao corpo a sua forma – saias até ao bestunto, ou bestinto, instinto no bestunto - a proteger o padre do diabo do corpo que, lá dentro escondido da própria revelação da sua carne, estará em regime de autocontrole hereditário pró abstenção carnal e em metafísica consumida do voto de castidade. Um padre nunca toca na gaita e quando toca no cálice e ergue o santo líquido não impregna os lábios dessa sensação de frescura que o frutado comporta, bebe sem tocar na papila gustativa, engole directo – só o padre pedófilo, esse infiltrado diabólico nos territórios inexpugnáveis da Santa Sé planetária, toca na gaita, para o que antes treina nos foles do órgão ancestral os seus vais e vens celestiais subindo etéreos as paredes de qualquer catedral.
A Rita diz que cá as pessoas são intelectuais e que portanto despir-se levaria as pessoas a ter ideias. O que é um intelectual? É um tipo que tem a mania de ter ideias a propósito de tudo e nada, mas que perante um nu desata a ter ideias em catadupa, forma tempestuosa de produção ideal cujos contornos orgânicos estão por estudar. A Rita sabe isso, sabe que muitas vezes olham para ela, quase despida – ele joga há muito no quase e tem rendido - e que ela se sente iguaria, pedaço de proteína desenhado pela natureza como poucos outros, e que não sabe muito bem o que fazer com esse olhar a não ser dar ar de estrela no feedback, de estrela do mundo visibilizado do espectáculo sempre em cena no ecrã do real. E ela portanto não gosta desse olhar intelectual, gosta mais do outro, do olhar natural. Esse é o olhar que o Vaz de Caminha – estranho apelido, terra cama, pequenina – descobre no olhar de quem olha sem a consciência das partes vergonhosas expostas, e que, além disso, como mais tarde faz Bartolomeu de Las Casas, é um olhar com alma, um olhar humano e não incréu. Diz Caminha que as feições dos índios, e das índias, fala mais delas curiosamente, são perfeitas e que muitas delas são muito mais bonitas que as nossas, na Europa. Deve ser isso que a Rita quer, ser índia e trazer as partes vergonhosas ao ar livre sem que os intelectuais comecem a ter ideias e claro, sem televisão por perto, só mundo natural e ordem de soltura eterna.
A Rita será mesmo assim, um pouco mais que ingénua? Ou será que o nível desta coisa toda e o seu reflexo até nos chamados jornais de referência, em dias trágicos como estes em que faleceu um grande músico – honra aos que se dedicam às paixões e mudam a nossa vida - e o Primeiro-Ministro diz disparates sobre o desemprego de uma gravidade tal que ele, sim, deveria desempregar-se para não só nos libertar do desqualificado nível das suas intervenções e simultaneamente para também ter uma oportunidade, ele sim, de desempregado, mudar de vida – auto despeça-se, o Senhor Primeiro. Oh Rita vá lá, despe-te cá que agora está mais quente e há muitos cá que não são intelectuais e vão só salivar, coisa natural, sem misturada com essa coisa porca do ter ideias. Cuidado é com o sol que agora o genoma do cancro da pele foi revelado e o sol a mais faz mesmo mal, ciência dixit.
fernando mora ramos

Sem comentários:

Enviar um comentário